A RESPOSTA É COM A NATUREZA
- Antônio Isaías Ribeiro
- 24 de fev. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 5 de nov. de 2020
ECOSSISTEMAS NATURAIS AJUDAM A GARANTIR A RECUPERAÇÃO E SEGURANÇA HÍDRICA NAS CIDADES. CUIDAR DA ÁGUA É CUIDAR DO FUTURO.
O Fórum Econômico Mundial considera o Brasil o mais rico país da terra em ecossistemas e o de maior diversidade de fauna e de flora; o fórum vê o nosso país, por isso mesmo, como o de maior potencial natural para desenvolver o turismo entre cento e quarenta nações. Revistas especializadas do turismo mundial, de sua parte, com frequência também apontam o Brasil como o mais belo entre os mais belos países do mundo. Tanto reconhecimento da vastidão de nossos recursos naturais e de constatação dessa beleza toda que é o nosso país, não nos bastam!
São, entretanto, valiosos ativos de competitividade, turística principalmente, que precisam receber doses generosas de criatividade e de investimento, a se traduzir em bem-estar para a população. Países dotados de instituições inclusivas, países com políticas consistentes para o turismo, logo saberiam aproveitar essa sorte toda e a transformaria em benefícios para o seu povo. Não tem sido essa a trajetória de nossa política nacional para o turismo. De política nacional, nem de estados e municípios. Exceções são raras. Por isso, seguimos marcando passos, chegando a regredir na escalada da competitividade entre as nações. Não acertamos o foco, não nos aplicamos, desperdiçamos a Natureza e a sorte. Ficamos de longe, apenas espiando o dinamismo dos outros. Ah, somos pródigos na exaltação dos nossos recursos naturais, especialmente das praias, num autoelogio inconsequente.
Mais do que a exaltação ufanista, precisamos começar a nos interrogar sobre o que estamos realizando no presente em relação aos recursos da Natureza, como em relação ao patrimônio construído. O que queremos entregar às gerações futuras?
O Parque Ecológico e Paisagístico Vale das Fontes
Introdução
O desenvolvimento no amplo sentido da criação de trabalho e renda, valorização da pequena e média empresa, combate à pobreza, redução das desigualdades, provimento de boas políticas públicas, tem sido entendido somente como dinâmica que vem de fora e que a comunidade espera de forma passiva.
A experiência técnica e profissional com projetos de desenvolvimento tem demonstrado que a capacidade de auto-organização local, a riqueza do capital social, a participação das pessoas e o sentimento de apropriação do processo pela comunidade – no seu conjunto, fontes da qualidade institucional do poder local – são elementos vitais em sua consolidação. O desenvolvimento não é, simplesmente, um conjunto de projetos voltados ao crescimento econômico. É uma dinâmica cultural e política capaz de transformar a vida social de uma região, de uma cidade, de uma comunidade.
O parque é a Ação nº 18 contida no Acordo de Preservação do Patrimônio Cultural firmado em 10 de junho de 2010 entre o município de Cairu, o Ministério da Cultura e o Estado da Bahia. Sua localização é o espaço da sede municipal de Cairu onde se acham os últimos remanescentes de um sistema de fontes pré-coloniais em reservatórios de aguas, que se estendem pelas depressões a partir dos quintais da Rua de Cima e em toda a sua extensão desde a Fonte da Passagem até a embocadura do Rio Guarany – o encontro do rio com a maré.
A situação em que essa área se acha desde algumas décadas é de completa degradação ambiental com perda de biodiversidade e, no plano social, de invasão de espaços e negação de direitos de posse, propriedade e ocupação. Por isso, um plano para a requalificação desses espaços exige não apenas recursos financeiros, mas criatividade, responsabilidade e estreita colaboração de grupos comunitários, mediante a compreensão de seu objetivo e necessidade, de sua importância estratégica.
As atividades que se desenvolviam nesse sistema de fontes remontam às civilizações nativas de toda a Ilha, desde a Aracajuru dos nossos ancestrais. Fontes de abastecimento de agua, de serviços e da cultura do povo primitivo, essas mesmas fontes tem caráter estratégico; não se deve abandona-las e desconsidera-las como já estamos fazendo, por ignorância e omissão. Daí porque o plano deve incluir o resgate das atividades primitivas ali desenvolvidas desde tempos mais remotos, conferindo-lhes uma nova significação no contexto contemporâneo – a visitação turística.
A flora ali regenerada não será apenas para o adensamento e manutenção do parque, mas também para realimentar a fauna nativa, especialmente as espécies em processo de extinção; servirá principalmente, para restaurar o mesmo sistema de fontes. Com o tempo e secundariamente, plantas específicas poderão ser distribuídas pela cidade, para melhorar de forma orientada o seu paisagismo e arborização como um todo, itens universalmente admitidos como acréscimo da qualidade urbana. Pode-se dizer que atividades como esta transpassam os limites da sustentabilidade localizada somente no parque, para irradiar benefícios para outras áreas e indo ao encontro dos conceitos do paisagismo – criar intervenções comunicantes com a cidade como um todo.
Ao considerar a proposta do Parque não se pode deixar de tomar em conta a abrangência dos aspectos sustentáveis previstos – indo desde a recuperação do ambiente natural até a reinserção social e cultural de populações negligenciadas da nossa estrutura social. Devolver parte do ambiente natural para o uso público, a visitação contemplativa, mas também conferir importância econômica para o mesmo, como elemento essencial para garantir a continuidade e, por fim, ensejar a premissa de valorização econômica de todos os componentes que dele fazem parte, quer ser objeto nobre e de acréscimo de civilização, de identidade cultural, de qualidade da vida, para cada vez mais ser prazeroso estar na Aracajuru tupinambá, na Vila de Nossa Senhora do Rosário dos colonizadores, como na sede municipal de Cairu dos dias presentes.
PROJETO VALE DAS FONTES
PARQUE ECOLÓGICO E PAISAGISTICO NA ILHA DE CAIRU
Anotações para o desenvolvimento e implantação de um Parque Ecológico e Paisagístico na Sede Municipal de Cairu, como previsto no Acordo de Preservação do Patrimônio Cultural e Plano de Desenvolvimento Estratégico Cairu 2030.
Apresentação
Entre as elevações do Cemitério de Cairu e o Outeiro dos Namorados, de um lado e toda a Rua de Cima (longo trecho desde os quintais do Convento, de toda a Rua de Cima até os fundos de um casarão na Praça Salústio Palma) há um enorme vale. Em vários pontos desse vale, muitas nascentes. São fontes de água que durante séculos até os anos 1970 abasteceram a população. Desde a que antecedeu a da primitiva Vila de Nossa Senhora do Rosário de Cairu. A partir da implantação do sistema adutor e canalizado de agua, restaram o abandono das fontes e os descuidos a ativos ambientais significativos. Toda essa área assim descrita encontra-se degradada, inclusive em suas nascentes. Trata-se de área estimada de cem hectares, único espaço não ocupado entre a cidade e os manguezais que circundam a Ilha onde se acha a sede municipal de Cairu.
Ao lado da enorme biodiversidade que caracteriza todo o território do Baixo Sul, esse “Vale das Fontes” está situado sobre aquífero de importância estratégica para a sede municipal de Cairu. No passado, desde os antecedentes coloniais, passando pela Colônia e até os dias presentes, as fontes de água desse vale não somente abasteceram as populações, mas ingressaram na história e na cultura dessas mesmas populações. Com razão, as denominações Fonte da Passagem, Fonte dos Terceiros, Fonte do Rosário, Fonte do Musserengue, Fonte dos Cezimbras, Fonte do Caranguejo, Fonte da Bica, Fonte da Prata, Fonte do Sul, cada uma com sua “água de gasto”; com razão também os diversos poços, como o Poço de Dona Amélia, Poço de Tia Coleta, Poço de Dona Detinha, etc, com sua “água de beber”. Fontes de agua de gasto, fontes de lavar roupas e de banho, poços de agua de beber, cada um e todos com sua história e seus casos que a população carrega de geração em geração, embora cada vez com mais esquecimento. Toda essa área precisa ser recuperada para abrigar em módulos a diversidade botânica e esta fortalecer a diversidade zoológica; restaurar cada uma das fontes e poços d’água ou se melhor estudo determinar, constituir-se um espelho d’água capaz de receber concomitantes projetos de piscicultura com as premissas de preservação da biodiversidade.
Com esse histórico e ideias, imaginamos um projeto socioambiental e histórico e cultural capaz de implantar um Parque Ecológico e Paisagístico na Sede Municipal de Cairu, com a restauração desse “Vale das Fontes” incluindo adicionalmente a Fonte da Caixa do Rio Guarany. A Caixa é fonte de abastecimento de agua e espaço histórico que durante séculos também serviu aos cairuenses para as rotinas domésticas e necessidades humanas. Água para o gasto; água para lavar roupas, mas especialmente água para o banho. Em 1942, sob o Intendente/Prefeito Raul de Figueiredo Miranda essa fonte ganhou obras de alvenaria e cobertura e em 2010, sob o Prefeito Hildécio Meireles Filho, passou por obras de requalificação, nova cobertura e urbanização integrada à da Praça Vereador José Edson Palma.
Justificam as ideias aqui alinhadas:
1. A recuperação de áreas degradadas, parte delas situadas em APP – áreas de preservação permanente;
2. A preservação e sustentabilidade da flora e da fauna de toda a Ilha de Cairu, mediante a criação de um viveiro de mudas das espécies regionais;
3. Programa de coleta de sementes de espécies arbustivas e arbóreas;
4. Utilização de espécies nativas remanejadas;
5. Programa de educação ambiental e de controle de processos erosivos.
6. A preservação de espaços naturais e históricos que durante muitos anos abasteceram e animaram a vida dos cairuenses através de pontos selecionados para a água de beber, agua para manter as rotinas de higiene doméstica e demais atividades humanas;
7. A necessidade de integrar e promover atrativos que estiveram em dormência econômica por muito tempo.
8. Ocupar o espaço estratégico de plataforma logística para a Ilha de Cairu, concebida no PLANO CAIRU 2030;
9. Aproveitar, adicionalmente, a energia turística irradiada da restauração de seus principais monumentos – a Igreja e Convento Franciscano e a Matriz de Nossa Senhora do Rosário; o resgate da Casa de Câmara e Cadeia e, agora, o dinamismo que pode ser gerado com a instalação de um escritório regional do IPHAN, autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, bem como das obras de infraestrutura e de requalificação urbanística que vem sendo realizadas pela Prefeitura Municipal.
As ideias que presidem a recuperação dessas áreas com a implantação do parque são:
1. A constituição de módulos a serem cobertos com a vegetação nativa de toda a Ilha de Cairu – módulo das madeiras de lei; módulo das frutas silvestres; módulo das especiarias; módulo das palmáceas; módulo das espécies de flores e plantas ornamentais, módulo das espécies aplicadas à medicina, módulo das espécies utilizadas na culinária, etc.
2. A constituição de um espelho d’água destinado à aquicultura, desenvolvendo-se aí, sim, o cultivo de espécies como tilápias;
3. A construção de instalações para a produção artesanal e tradicional de farinha de mandioca, tapioca e beijus; a produção também artesanal de azeite de dendê (azeite de pilão), doces e licores caseiros de qualidade e certificados.
4. Casa de Farinha – instalação capaz de fomentar a produção local de mandioca e de atrair a visitação turística;
5. Instalação de beneficiamento do dendê (rodão a tração animal, no estilo mais primitivo, ou mesmo mecânico). Da mesma forma, capaz de fomentar localmente o beneficiamento do dendê, aumentar os rendimentos derivados e de também atrair a visitação turística. De forma associada, pode-se também fazer aí a produção do “azeite de pilão” – forma mais primitiva ainda de produção, da qual resulta o azeite de dendê mais natural.
6. Implantação de horta irrigada para a produção em escala dimensionada para o abastecimento local, com utilização somente de adubos orgânicos, também localmente produzidos, a partir da compostagem da matéria orgânica selecionada das residências e do comércio.
7. A implantação de trilhas de visitação turística e, em fase posterior, a implantação de ciclovia no perímetro do parque.
A implantação de um Parque Ecológico e Paisagístico nos moldes aqui “desenhados” agregará enorme importância à nossa sede municipal, pois além do dinamismo econômico que pode provocar, carrega consigo forte apelo turístico na medida em que permitirá aos visitantes conhecer locais pitorescos capazes de levá-los a uma viagem no tempo e a experiências inusitadas.
Da Rua de Cima, out'2010
Antônio Isaías do Rosário Ribeiro
Economista e consultor
ribeiro.isaias@uol.com.br
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